terça-feira, 23 de maio de 2017

481. Hiatos

I
A vida é solo fértil
onde crescem grandes e atrevidos girassóis,
onde rastejam lagartos e galhos retorcidos,
onde se alimentam livres rouxinóis.

Onde pés descalços se infiltram como chuva
e chuvas cravam dentes como raízes
e raízes penetram e adubam ligeiras

rasas covas sementeiras...

Ali também gestação e decomposição
felizes co-habitam.
... Afinal tudo é parte do mesmo,
uno e infinito e contínuo, todo.

E não há lapsos não há tempos nem definições
Não há espaços
não há hiatos
não há éter

Há ali
...onde presumo vácuos e ausências...
um farfalhar de folhas
dança vegetal que parece apenas vento
mas é movimento que decide destinos
em slow motion

Ali não há permissão pra hesitações nem contradições
a vida ignora o nosso tempo.


II
Por outro ângulo, no mesmo ciclo, avisto a morte
reverência ritual de dor e luto
que anuncia em coro
renascimento e reencarnação
e vai desbravando vida

Vislumbro ... ainda ... um silêncio pulsante
espuma e onda se dobrando de joelhos
na areia porosa e permeável
enquanto fé medo quebranto sal e magia
invadem becos sem saída e feridas em carne viva

Há entre as pedras e entre os dentes
águas e palavras que escorrem turbulentas
e completam fossos e incertezas
e quase transbordam a alma

Nada, nada é como você imagina
nada do que você imagina é vazio
acredite nisso.... isso salva!

III.
Se algum dia, a vida parecer sem sentido
se o seu peito amanhecer desabitado e ermo
e você duvidar...
preste bastante atenção, aguce os sentidos


No nada está a voz mais profunda do universo
declamando em versos lições importantes

Nos silêncios que parecem tristes
está tudo aquilo que resgata e redime quando o peito chora
Nos silêncios que parecem desespero
está tudo aquilo que grita e persiste
quando as vozes estremecem e a vida quase desiste

É ali, somente ali,
em  abismos profundos e silentes
em lapsos abandonados e desabitados da mente
quase insana
na mais completa e terrível solidão
que estão suas respostas
e a vida, finalmente, confessa todas as verdades.

02/04/2017
MDansa

domingo, 29 de janeiro de 2017

480. Lições de um vulcão

aprendi que estou só
daqui até o fim dos dias
em vulcões ou ladeiras
subo com a força das minhas próprias pernas

aprendi que estou só
em fogueiras e lagos
que se não trago alegria
por minhas próprias forças
não terei garantia

aprendi que no caminho só cabe um de cada vez
não em pares
aprendi que o coração é solo escorregadio e instável
que só os fortes sobrevivem
aprendi que não tenho nada além das minhas próprias metas
mas que não há certezas

aprendi que o que se dá
o que se sente
borbulha como o cerne vermelho de um vulcão
mas não toca ninguém
protegido por crateras de egos
dos meus e dos outros
cada qual ardendo por si mesmo

aprendi que o que arde é só meu
nada além de mim mesma queima
e o meu fogo não se alastra

aprendi que estou envelhecendo
e porque se envelhece....
a velhice te protege da arrogância do novo
a velhice abraça quem não é mais festejado
a velhice resigna e desiste
antes que fraqueje e não consiga e se envergonhe

É triste seu dedo em riste
seu desaconselho
Então desisto antes que você me impeça
Só assim a decisão é minha
20/01/2017

479. oração por meus amigos

que não caiam como moscas
meus amigos
que não desistam
nem sejam tirados bruscamente de mim

que não caiam em batalhas vencidas
que não caiam por balas perdidas
que não caiam ao meu lado meus amigos
devorados por dores males raios ou dúvidas

que meus amigos enfrentem todas as suas guerras
que meus amigos tenham e me deem esperança
que não escorreguem na pedra onde eu não caí
que sejam sempre muito mais fortes que eu
que meus amigos sobrevivam

16/01/2017

478. Tiempo

Talvez seja tarde
mas às 21:35h ainda é claro
portanto ainda é tempo
pois não anoiteceu

Se não anoiteceu é dia
e talvez de dia ainda reste um tempo
e um tempo é tudo que preciso
antes que não me reste nada.

15/01/2017
Pucon

477. Entre tarde e noite

Tudo o que estremece agora é a tarde
uma tarde quente e preguiçosa
que já é mais que uma tarde
mas ainda não é noite

Neste intervalo inominável
indecifrável fervo
e sinto respirar o céu e cochilar o sol
pássaros esperam a siesta e espreitam o tempo
que avança lento
pra que não seja esquecido..

15/01/2017
Pucon
porque anoitece quando já é noite

476. Conta-gotas

gotejo esvaindo-me em sangue
meu dia é longo e derradeiro
a força de um vulcão me acompanha
saio e escorro como lava e lágrima recorrentes

me esforço para estar no mundo
como um longo suspiro de quem ama
no trajeto me perco
e as vezes lembro de tudo
que suspende a respiração

logo esqueço e reinvento histórias
que não são aquelas que foram por mim sonhadas
mas aquelas que precisam ser por mim vividas

gotejo aos poucos minhas lagrimas
gotejo nada e tampouco minhas dúvidas
gotejo porque aos poucos escorro minhas mágoas e nego...
nego-te 7 vezes,
mas não basta
meu amor escorre por todas as paredes

15/01/2017
Pucon

475. El niño

O menino salta
é noite
acendem luzes em seus sapatos
crescem asas em seus tornozelos
explodem alguns foguetes em seus pés

Poderia voar alto mas nem teria graça
por isso só salta
num vai e vem de alegria

de todas as pessoas estagnadas na cena
só o menino acende e voa.

14/01/2017
Viña-Pucon

474. Hasta el fin del mundo

Camino hacia el fin del mundo
La luna espera todavia alli
Somos muchos y nadie
Somos tantos e nenhum
Somos tan pocos y lo mismo
Somos tan solos cuanto desgraciados
pero caminamos juntos
hasta el fin do mundo
buscando la luna

14/01/2017
Viña-Pucon

473. Luz e lava

Sol sólo uno
un muro que construye
límites
ilumina
luz infinita
luz que vive como fogo
e você imutável
imóvel nas sombras
enquanto tudo por dentro se movimenta
tentando se reorganizar
dança por dentro
face de pedra por fora

represa vulcão dorminhoco
represa tudo de novo
até não aguentar

15/01/2017
Pucón